Sobre a publicidade infantil
![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() ![]() |
Desde a divulga��o da resolu��o do CONANDA que considera ilegal qualquer publicidade "comercial" voltada para crian�as, diversas manifesta��es surgiram na internet. Temos o apoio incondicional tanto de pais sinceramente preocupados com os apelos que as crian�as est�o expostas fora de seu controle como de idealistas anti-capitalistas que v�em nessa manifesta��o a oportunidade de reviver valores dos conflitos do s�culo passado. E temos tamb�m, claro, as manifesta��es contr�rias de alguns segmentos (muitos preocupados com a pr�pria sobreviv�ncia - e isso, por si s�, tem sido usado como argumento pelo primeiro grupo para invalidar seu posicionamento contr�rio). Come�o admitindo que fa�o parte do segundo grupo. Primeiro por n�o ter filhos... Segundo, por n�o compartilhar nenhum ideal anti-capitalista. E terceiro, por ser eu um produtor de conte�do voltado ao p�blico infantil (quadrinhos, anima��es e por um certo tempo design de produto). Mas eu tamb�m trabalho com educa��o - e com alguma experi�ncia com produtos de pretens�es pedag�gicas - ent�o espero que isso seja suficiente para n�o transformar minha opini�o em apenas a defesa cega do meu emprego. Portanto come�o retrucando os argumentos de quem est� no mesmo "lado" que eu nessa discuss�o: 1. Pais ausentes ou omissos n�o querem ter o trabalho de cuidar dos pr�prios filhos. N�o � nenhum absurdo concluir que os pais n�o tem condi��es de filtrar tudo o que o filho v�. Acreditar que cabe aos pais a responsabilidade de explicar toda a programa��o de TV para seus filhos �, no m�nimo, insensibilidade. � justamente pela falta de tempo de poder acompanhar o dia-a-dia dos filhos que fica t�o dif�cil dizer n�o a tudo o que eles pedem. H� um complexo de culpa e n�o h� como n�o se sensibilizar com uma crian�a chorando (principalmente um filho) por querer alguma coisa. E ser alheio ao fato de que os pais precisam trabalhar e querem compensar esse distanciamento n�o ajuda em nada a discuss�o. 2. Se algo existente na minha inf�ncia n�o causou dano para minha forma��o, automaticamente n�o � mal�fico pra ningu�m. Esse argumento � de um simplismo gritante. Ao nos usarmos como padr�o de suportabilidade aos outros, estamos municiando argumenta��es de quem defende que, se est� disposto a fazer algo por uma cren�a (sela ela qual for), voc� tamb�m deve ser obrigado a isso. Se pensarmos assim, o trabalho infantil pode ser validado, afinal, durante s�culos a humanidade lidou com a labuta sendo imposta desde cedo (se a crian�a tinha for�a o suficiente para segurar a enxada). E o fato de ainda existir humanidade at� hoje prova que isso n�o matava a todos e por isso somente seria v�lido. N�o � preciso se esfor�ar muito pra perceber que a sociedade caminha em busca de mais conforto, mais seguran�a, mais prote��o. N�o � preciso ir muito ao passado pra identificar situa��es de abuso que foram superadas justamente porque se entendeu que n�o estava bom e precisava mudar, por mais que tanta gente "suportasse". Cabe v�rios avan�os da organiza��o civilizat�ria aqui, do feminismo �s liberdades individuais. 3. A legisla��o atual n�o permite esse tipo de autoritarismo. Embora isso seja verdade, � bom lembrar que temos diversos congressistas lutando diariamente para alterar a legisla��o em rela��o a tudo. E por mais que a resolu��o do CONANDA n�o tenha for�a de lei, h� projetos circulando que intencionam esse radicalismo, e ficar atento a tramita��o destes � sim responsabilidade de todos n�s. Na mesma linha, por mais que a auto-regula��o do mercado seria suficiente (ao menos numa situa��o "idealizada"), na pr�tica o que temos � uma entidade amedrontada que, com receio de uma legisla��o impiedosa, acaba ela mesmo fazendo este papel. E mesmo com o CONAR sendo bastante rigoroso com as restri��es a publicidade, h� uma for�a ideol�gica que defende que a publicidade � nociva por si s� e luta pelo seu fim. E eles tem representatividade legal para brigar por isso. � dif�cil, mas n�o imposs�vel que seus ideais sejam impostos a sociedade toda. 4. Crian�as s�o capazes de aprender e lidar com a publicidade. Este argumento, mais "cientificamente embasado", sofre apenas com uma situa��o relativamente recente: Tratamos como crian�as todas aquelas que tem menos de 12 anos, sem subdivis�es. Mas desde a populariza��o das TVs por assinatura - e em espec�fico do meio dos anos 90 em diante (consultar sobre Teletubbies) - produ��es focadas para crian�as com menos de 3 anos trouxeram um p�blico com sensibilidades e fragilidades muito maiores. � urgente reconhecer e dividir este p�blico, entendendo que a capacidade de percep��o de mundo varia em rela��o a idade da crian�a e que necessidades diferentes exigem preocupa��es diferentes. Al�m de perceber a fragilidade destes argumentos de defesa da publicidade infantil, � preciso tamb�m reconhecer os valores defendidos por quem quer sua extin��o. 1. Publicidade � potencialmente nociva. Embora seja dif�cil avaliar este argumento desgrudando-o do ran�o ideol�gico anti-capitalista, n�o � t�o dif�cil perceber que a fun��o da publicidade � induzir ao consumo de algo que n�o � necessidade priorit�ria. Ou seja, criar o desejo. E, por mais que nossa sociedade dependa dessa cria��o de desejo gerando consumo (que gera renda e que gera mais dinheiro e, enfim, � como o mundo funciona), lidar com as frustra��es de n�o atingir esses objetivos � um dos grandes desafios para o bem-estar do indiv�duo. Urge aqui n�o somente uma forma de se permitir ao p�blico entender as armadilhas que campanhas publicit�rias prop�em, como tamb�m uma preocupa��o com a educa��o financeira de cada cidad�o (principalmente com aulas de economia dom�stica, que deveria estar no curr�culo b�sico de todas as escolas). 2. Crian�as s�o facilmente influenci�veis e incapazes de diferenciar a realidade da fic��o. Aqui cabe entender que "crian�as" � um termo muito abrangente e que h� faixas et�rias intermedi�rias onde � poss�vel assumir tanto uma percep��o mais precisa como de fato uma necessidade maior de prote��o. Mas o n�mero de acidentes entre crian�as que tentam imitar o que viam na TV (pular da janela com uma toalha amarrada no pesco�o imitando o super her�i da TV ou marretar a cabe�a do amiguinho imitando o ratinho da anima��o) n�o s�o incidentes t�o isolados assim. 3. Crian�as precisam brincar e criar mais, e consumir menos. Aqui o consumir n�o se resume apenas a comprar figurinha, e sim o consumo de "conte�do". H� um entendimento de que ao ler quadrinhos, ver filmes e anima��es ou mexer com bonequinhos restrinja a capacidade criativa da crian�a de imaginar as pr�prias formas e ideias, "conduzindo" a imagina��o dela a imagens pr�-fornecidas. Soma-se a isso a realidade da falta de espa�os abertos e cada vez mais est�mulos tecnol�gicos e podemos ter uma crian�a "atrofiada" apenas ao que recebe, incapaz de devolver algo aut�ntico. 4. Pais devem poder ter a tranquilidade de oferecer um ambiente a seus filhos que seja livre de est�mulos com os quais eles n�o concordem. Essa preocupa��o se d� na escolha da escola, nos ambientes onde a crian�a frequenta, no "controle" dos contatos que a crian�a ter�... Mas, atualmente, � imposs�vel aplic�-lo quando uma m�dia atinge a crian�a. Reconhecendo a fragilidade destes argumentos aqui apresentados defendidos pelo grupo a favor da publicidade e respeitando as necessidades apontadas pelo grupo que � contra, podemos realmente entender onde a proposta atual erra e quais seriam os caminhos para uma solu��o que atenda a todas as reivindica��es. Primeiro: A regulamenta��o proposta parte do princ�pio que a sociedade deveria banir impulsos consumistas assumindo-os como nocivos e ponto final. Al�m de ser uma posi��o autorit�ria, ela prop�e uma homogeniza��o de comportamento, criando uma gera��o "programada" para n�o reagir a nenhum apelo de m�dia (ou, pior, incapaz de lidar com eles e se tornando adultos ainda incapazes de lidar com a publicidade). Isso caminharia para uma futura proibi��o de publicidade como um todo, j� que desproviria as gera��es vindouras de ferramentas para lidar com ela. Segundo: Uma vez que o fim da publicidade n�o necessariamente significa o fim do consumo (embora represente um golpe certeiro em seu crescimento), a tomar como exemplo o que aconteceu com a ind�stria tabagista, ao lado da vantagem da diminui��o do n�mero de usu�rios (e supondo que isso seja positivo tamb�m no caso de produtos focados no p�blico infantil), h� a diminui��o severa de investimentos em m�dia. A m�dia se sustenta por dois meios: Cobran�a direta pelo conte�do (bilheteria de cinema, venda de DVD, assinatura de canal etc) e apoio ou patroc�nio (p�blico ou privado - e aqui especificamente falamos de publicidade). N�o ter mais propaganda de cigarro foi um golpe nas m�dias que sobreviviam do recurso destas propagandas, e embora tenha havido a migra��o para outros anunciantes, houve o empobrecimento direto e at� a desativa��o completa de alguns ve�culos (cito aqui festivais de Jazz financiados por uma marca de cigarro que simplesmente deixaram de existir). Ao extrapolarmos essa situa��o aos conte�dos voltados para o p�blico infantil, s� sobreviveriam as produ��es que cobrassem diretamente do p�blico ou as que recebessem as publicidades "permitidas" - pelos termos propostos, apenas informativos. O dinheiro s� vir� de recursos p�blicos, e ficar�o ref�ns de autoriza��es e aprova��es concentradas em requisitos "oficiais". Na pr�tica isso significa controle de m�dia por meio de sufocamento econ�mico. As m�dias hoje s�o controladas por quem tem o dinheiro (patrocinadores), e seus interesses est�o sempre sendo defendidos (e entendemos que isso n�o � uma situa��o ideal). Mas o que o dinheiro quer � fazer mais dinheiro e, em geral, quando isso est� sendo atendido, s� o que importa � o n�mero da audi�ncia e n�o o conte�do. O que significa liberdade para quem cria e produz. O �nico filtro � a aceita��o do p�blico. N�o significa que o poder p�blico institu�do n�o possa investir em conte�do de qualidade (o que tamb�m acontece na realidade brasileira). O que se defende aqui � dar alternativas de conte�do e n�o apenas uma op��o "oficial". Terceiro: Diante da necessidade identificada por uma parcela da popula��o em ter acesso a conte�do de m�dia para crian�as sem que elas sejam alvo de publicidade, reivindicar a cria��o de canais de m�dia desenvolvidos com este crit�rio � totalmente l�cito (e desej�vel). Criar uma emissora onde os pais n�o precisem monitorar constantemente o conte�do para ter a tranquilidade de deixar seus filhos diante dela � inclusive um exemplo de iniciativa financiada pela pr�pria sociedade que reconhece essa necessidade. Se estamos falando em interesse p�blico, falamos ent�o de uma emissora aberta, com verba p�blica, e investimento para produzir com qualidade e focada nos valores defendidos pelo poder vigente. Contanto que possa ter op��es para pais que n�o compartilhem com essas preocupa��es - e que fomente a concorr�ncia entre produtores de conte�do, investindo em produ��es cada vez melhores disputando a aten��o do p�blico. Quarto: Respeitar as etapas de desenvolvimento das crian�as e tir�-las de um bloco �nico homog�neo. Proibir por completo propagandas que sejam apelativas para beb�s faz sentido, fazer o mesmo para crian�as em fase de alfabetiza��o, n�o. Quinto: Definir as restri��es por aspectos objetivos e comprovados, com menos apelo ideol�gico e mais percep��o real de danos que a publicidade possa causar. Muita coisa j� foi proibida em publicidade por se entender que eram apelos exagerados ao p�blico destinado, e muitas delas s�o exageradas. Embora se entenda a preocupa��o com a preven��o, em casos de um assunto t�o cheio de convic��es absolutas, faz-se necess�rio que uma restri��o s� surja ap�s a comprova��o do dano, e n�o apenas porque vai contra opini�es individuais. N�o � f�cil chegar a um acordo. Mas distribuir acusa��es entre os grupos sem d�vida n�o � um caminho que deixe esse processo menos dif�cil. Nem todo mundo que defende a publicidade infantil o faz por interesses pessoais escusos, assim como nem todos os que querem proib�-las s�o pais pregui�osos querendo que o Estado crie seus filhos. Mas hoje podemos ver o resultado direto da persegui��o a publicidade infantil: Fam�lias sem condi��es de arcar com o custo direto ficaram sem op��es (n�o h� conte�do infantil em TV aberta exceto o de TVs com recursos p�blicos). M�dias migraram para outros p�blicos e profissionais do setor ficam desamparados, sem condi��o de aplicar os conhecimentos nos quais investiram suas carreiras. E as crian�as continuam querendo o brinquedo bonito que v�em nas vitrines... Ou na m�o dos amiguinhos. |